A liderança feminina ainda é um assunto crítico no setor de tecnologia da informação no Brasil. Atualmente, cerca de 35% dos cargos de liderança em TI são ocupados por mulheres, e apenas 6% dos postos de CIOs (Chief Information Officer). O assunto foi o foco do segundo painel do Techday do Sindpd-SP (Sindicato dos Trabalhadores em Tecnologia da Informação de São Paulo), que reuniu profissionais de destaque para debates sobre os desafios das mulheres no setor.
Ione Coco foi uma das primeiras mulheres CIOs do Brasil e ascendeu ao cargo quando ele nem sequer tinha este nome, brincou ela durante sua fala no painel. Sua trajetória até o mais alto posto de liderança em TI, no entanto, não é apenas uma memória do passado e segue sendo uma exceção rara no mercado.
“Por que precisamos pensar em liderança feminina? Primeiro porque é sim uma questão de justiça social. Nós somos 52% da população, enquanto não chegarmos a 52% de mulheres na liderança, nós não temos que estar contentes”, afirmou após destacar o dado que apenas 6% dos CIOs no país são mulheres. “A pirâmide é difícil para todo mundo, mas por que para as mulheres é mais difícil?”, questionou.
Ela apontou ainda que homens ganham em média 37% mais que as mulheres em TI e, de acordo com o Fórum Econômico Mundial, a equidade de gênero só será alcançada em 130 anos caso siga no ritmo atual. “Isso não é nem para minhas tataranetas. Se a gente não fizer nada, nada vai mudar.”
Ocupar espaços
Sua indignação com os espaços desiguais para homens e mulheres começou já na faculdade na década de 1970, quando fez graduação em Física e era uma das poucas mulheres na universidade. Questionamentos em relação à sua capacidade e até mesmo sobre o porquê de ela sequer estar numa área “para homens” surgiram desde o primeiro instante, especialmente quando se destacava.
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“Eu tirei 10 numa prova de eletrônica e meu professor vira na sala e diz: ‘quem é Ione?’, e eu levantei a mão. Aí ele disse: ‘a senhora tirando 10 em eletrônica para depois usar o diploma para lavar roupa?’”, contou.

Essa fala que a marca até hoje, porém, foi apenas o começo de inúmeras dificuldades que enfrentou por querer ocupar espaços que a maior parte da sociedade não via como “lugar de mulher”.
“Recebi todos os assédios que vocês possam imaginar. Fui demitida porque tive filho, me perguntaram se eu já havia me ‘esterilizado’ para assumir minha primeira posição gerencial, e por aí vai. O que você imaginar que existe sobre assédio, eu passei. E o que eu pensava nesses momentos? ‘Aham, eu vou provar que eu sou mais forte, eu vou provar que eu posso e que eu vou em frente’”, disse, sob aplausos da plateia. “Então, a primeira lição aprendida é não desista, porque isso é um viés que está na sociedade.”
A segunda lição que ela destaca é a necessidade de aprendizado contínuo numa área que é sinônimo de inovação. “A TI muda todo dia e a gente não pode desistir de aprender”, pontuou.
Promover a mudança
Com esses princípios em mente, Ione Coco seguiu na carreira até chegar a assumir o posto de CIO na CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz), onde ficou por 20 anos. Após sair da estatal, ela foi convidada para trabalhar no Gartner, onde chegou a ser vice-presidente na América Latina e foi peça-chave para a expansão da companhia na região. “Comecei no Gartner tendo cinco países como clientes na América Latina e saí com 500 clientes em 15 países”, contou.
Da experiência no Gartner, onde teve a oportunidade de promover eventos e ações que focaram na inclusão feminina, nasceu a ideia de fundar a MCIO Brasil (Mulheres CIO do Brasil), organização não governamental da qual hoje é presidente emérita dedicada a promover a liderança feminina na tecnologia. Ela destacou a importância de iniciativas como o Techday para impulsionar a mudança pela igualdade no setor no TI.
“Se eu não acreditasse em espaços onde mulheres debatem com mulheres, eu não teria fundado a MCIO Brasil. Tem que ter esses espaços, as mulheres ficam muito mais à vontade e debatem assuntos sensíveis que, em ambientes dominados por homens e sem o apoio de outras mulheres, elas não debateriam”, disse.
O Techday foi realizado no dia 29 de março pelo Sindpd e marcou o encerramento da Maratona 8 de Março, iniciativa do sindicato que, durante todo o mês da mulher, promoveu palestras e debates em dezenas de empresas de sua base e reuniu centenas de trabalhadoras, com o objetivo de promover a inclusão feminina no setor e o respeito às profissionais de TI.

Fotos: divulgação/Sindpd