Em um grande galpão localizado nos arredores de Xangai, dezenas de robôs humanoides são operados por técnicos para executar atividades como dobrar roupas, preparar lanches e abrir portas – sempre em ciclos repetitivos.
Funcionando por até 17 horas diárias, o objetivo do centro é gerar grandes quantidades de dados para treinar os robôs da AgiBot, uma startup chinesa que espera torná-los parte comum do cotidiano, alterando a forma como vivemos, trabalhamos e nos divertimos.
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“Imagine quando, em nossa própria linha de produção, os robôs estiverem montando a si mesmos”, afirmou Yao Maoqing, cofundador da AgiBot.
A relevância estratégica desses robôs para o governo chinês ficou evidente quando o presidente Xi Jinping visitou recentemente a AgiBot em Xangai. Durante o tour, Xi brincou ao dizer que as máquinas talvez pudessem formar um time de futebol.
Outra empresa do setor, a Unitree, também marcou presença em uma reunião realizada por Xi com representantes de empresas privadas no início do ano, ocasião em que o líder chinês incentivou o setor privado a impulsionar a economia nacional.
Enquanto os EUA discutem com a China sobre as tarifas implementadas por Donald Trump na tentativa de repatriar empregos industriais, Pequim aposta em uma nova era da produção, onde tarefas fabris seriam delegadas a robôs humanoides.
Nos últimos anos, modelos chineses de robôs humanoides demonstraram habilidades cada vez mais sofisticadas, como dar cambalhotas, correr longas distâncias e até jogar futebol – uma das observações feitas por Xi durante sua visita.
A Reuters entrevistou mais de uma dezena de fontes – incluindo fabricantes, investidores, clientes e especialistas – que relataram como avanços nos sistemas de controle e inteligência artificial estão transformando esses robôs em ferramentas produtivas e autônomas, com potencial para reformular a principal potência industrial do planeta.
A estratégia chinesa se concentra no uso intensivo de dados e no desenvolvimento de algoritmos de IA mais avançados.
Segundo fontes, empresas como a DeepSeek estão ajudando significativamente nesse processo.
Se os robôs forem adotados em larga escala nas fábricas, a China poderá manter sua trajetória de crescimento e preservar sua liderança industrial – o que reforçaria a competição tecnológica com os Estados Unidos.
Ainda é incerto como o governo chinês lidará com os potenciais impactos sobre o emprego. A mídia estatal sugere que, assim como nas revoluções industriais anteriores, as transformações trariam ganhos de longo prazo, apesar das perdas iniciais.
Estímulo público
O setor conta com forte apoio financeiro do Estado. Nos últimos 12 meses, mais de US$ 20 bilhões foram destinados ao desenvolvimento de robôs humanoides. Além disso, está em andamento a criação de um fundo de um trilhão de yuans (equivalente a US$ 137 bilhões) para apoiar startups nas áreas de inteligência artificial e robótica.
Segundo uma análise da Reuters baseada em documentos de licitação pública, o governo chinês também figura como um dos principais compradores da tecnologia. Os gastos públicos com humanoides e equipamentos relacionados saltaram de 4,7 milhões de yuans em 2023 para 214 milhões em 2024.
Alguns especialistas comparam o potencial dos robôs humanoides ao dos carros elétricos, cujo custo caiu drasticamente nos últimos dez anos devido à entrada de novos fabricantes e incentivos estatais.
Três empresas chinesas ouvidas pela Reuters preveem que o custo de produção desses robôs pode cair pela metade em cerca de um ano. Para efeito de comparação, os componentes do robô Optimus, da Tesla, fabricados fora da China, ainda custam entre US$ 50 mil e US$ 60 mil.
“Graças à sua ampla cadeia de suprimentos, a China tem condições de reduzir significativamente os custos de produção dos humanoides”, observou Ming Hsun Lee, do Bank of America Securities, que projeta que o mercado global poderá alcançar 1 milhão de unidades vendidas anualmente até 2030. “A indústria está apenas no início de seu crescimento.”
Inteligência artificial e dados
O investimento chinês também se volta à coleta de dados – uma das principais dificuldades do setor, mas também uma vantagem competitiva do país, segundo executivos da área.
No último ano, autoridades de Xangai ajudaram a AgiBot a implantar seu centro de coleta de dados, oferecendo instalações gratuitas onde cerca de 100 robôs, operados por 200 pessoas, trabalham todos os dias.
Segundo Yao, os dados obtidos nesse espaço têm qualidade e precisão suficientes para treinar os modelos de IA que alimentam os robôs da empresa.
A startup MagicLab, por sua vez, afirmou que seu foco está nos sistemas de controle dos robôs, o que já permitiu iniciar testes em ambientes industriais, com funções como inspeção de qualidade, movimentação de materiais e montagem de peças.
O ponto mais forte da China, no entanto, é sua liderança na produção do hardware necessário para montar um humanoide.
Estima-se que o país consiga fabricar até 90% das peças internamente, o que reduz os custos e facilita o avanço das empresas locais.
Com isso, a China se tornou o país com o maior número de fabricantes nesse setor e controla grande parte da cadeia de fornecimento global, segundo dados do Morgan Stanley.
O mercado viu uma explosão de novos modelos: em 2024, 31 empresas chinesas apresentaram 36 máquinas humanoides, contra apenas oito lançados por companhias dos Estados Unidos.
Pelo menos seis empresas chinesas – incluindo nomes de destaque como Unitree e UBTech – já iniciaram ou estão prestes a começar a produção em escala.
O futuro do emprego
Apesar de o setor ainda estar em fase inicial, autoridades chinesas começaram a discutir os impactos que robôs humanoides inteligentes podem causar no mercado de trabalho.
Cerca de 123 milhões de pessoas estão empregadas na indústria de manufatura na China. Durante o Congresso Nacional do Povo deste ano, o especialista em seguridade Zheng Gongcheng alertou que os avanços em robótica e IA poderiam afetar até 70% desses empregos, reduzindo as contribuições para o sistema previdenciário.
Mesmo com os alertas sobre o impacto no emprego, o governo enxerga a tecnologia como solução para lidar com a escassez de mão de obra em setores como o de cuidados a idosos. Em dezembro, foi publicado um plano nacional que estimula o uso de robôs humanoides nesse campo.
“Em cinco ou dez anos, robôs poderão organizar o quarto de um idoso, buscar encomendas ou até mesmo transferi-lo da cama para o banheiro”, disse Yao, da AgiBot.
(Com informações de Folha de S.Paulo)
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