Durante seminário em São Paulo, sindicalistas denunciaram que “terceirização” virou sinônimo de desrespeito aos direitos trabalhistas e baixos salários no setor privado e defenderam o fim do mecanismo no Estado
Taxado pelos empresários de processo “irreversível” e como a “forma moderna de relação entre capital e trabalho”, a terceirização tem significado, na prática, segundo os sindicalistas, um retrocesso para os trabalhadores, que estão sendo submetidos a empregos com salários mais baixos, com os direitos trabalhistas aviltados, além do aumento da informalização, das doenças profissionais e dos acidentes de trabalho. Para as centrais, a forma “moderna de relações de trabalho” apontada por determinados setores já existiu no século XIX, antes da abolição da escravatura.
No entanto, mesmo que a forma e os limites para a terceirização tenham gerado embates entre trabalhadores e empresários a sua regulamentação foi o ponto de consenso no seminário “Terceirização no Brasil – Avanços e Acordos Possíveis” realizado na sexta-feira (4) na sede da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio), por iniciativa da “Gestão Sindical” e patrocinada pelo Sindeprestem (sindicato das empresas prestadoras de serviço).
Além da CGTB, CUT, Força Sindical, Nova Central, UGT e CTB e de representantes do setor patronal, o seminário contou com a participação do Ministro da Previdência, Luiz Marinho, do presidente do IPEA, Márcio Pochmann, dos deputados federais Vicentinho e Pedro Fernandes Ribeiro, além da diretora da OIT no Brasil, Laís Abramo.
As centrais sindicais expressaram que a terceirização contém dois problemas distintos, um relacionado ao setor privado e outro no setor público. No primeiro caso, os malefícios estão distribuídos no aprofundamento do processo de terceirização, também denominado de “superterceirização”, que superou as atividades-meio (limpeza, segurança, transporte, alimentação, manutenção) e passou a ocupar espaço das atividades centrais das empresas como supervisão, gerência e a própria produção.
Esse mecanismo tem intensificado a precarização dos salários e a contratação dos chamados PJs (Pessoa Jurídica), obrigando o trabalhador a constituir firma para eximir os empresários de pagarem direitos como férias, 13º salário e licença maternidade.
“Onde a gente viu a aplicação da terceirização, percebemos a precarização das condições de trabalho, com honrosas exceções. Para nós, a terceirização deve ser sinônimo de especialização, como é o caso da contratação de empresas de informática, e não de precarização dos direitos trabalhistas”, afirmou o presidente da CGTB, Antonio Neto, durante a sua intervenção.
De acordo com o Ministro da Previdência, Luiz Marinho, o país precisa urgentemente regulamentar o setor porque a forma como as empresas vem atuando tem se constituído uma “desgraceira”. “Temos empresas que atuam corretamente, mas temos empresas que atuam de forma irresponsável e deixam muitos trabalhadores na rua da amargura”, afirmou Marinho.
Em relação ao setor público, a terceirização tem debilitado os serviços do Estado, que abre mão de investir na contratação, formação e no aperfeiçoamento do servidor público, substituindo-o por funcionários rotativos, que por outro lado também enfrentam os mesmos problemas trabalhistas que ocorrem no setor privado.
Como exemplo, Antonio Neto, citou a Lei nº 8.666, que rege as licitações para serviços e coloca o menor preço como quesito principal. Segundo Neto, o valor dos contratos é jogado para baixo, beneficiando empresas inidôneas que pagam salários reduzidos e, como já ocorreu, desaparecem no final do contrato sem pagar os direitos dos trabalhadores. “Ocorreu um caso na Caixa Econômica Federal. A empresa sumiu e os trabalhadores só não ficaram desamparados porque a CEF efetuou o pagamento”, disse Neto.
O deputado Vicentinho citou exemplos que ocorrem até na Câmara dos Deputados, de empresas terceirizadas que não pagam os salários dos funcionários da limpeza, da segurança e dos assessoristas de elevadores, que sem receber cobram providências dos parlamentares.
Essa questão também é combatida pelos sindicalistas por representar a substituição do Estado na prestação dos serviços essenciais e de sua responsabilidade, transformando-se num processo de privatização disfarçada, como ocorre em alguns estados, a exemplo de São Paulo na área da saúde.
Os representantes das centrais sindicais também condenaram a postura adotada pelo setor patronal no Grupo de Trabalho tripartite constituído pelo governo para debater a questão. As confederações patronais – que representam apenas as empresas tomadoras de serviço – emitiram uma nota defendendo a regulamentação, mas sem que ela imponha qualquer limitação para a contratação de empresas prestadoras de serviços.
Os trabalhadores querem limitar a terceirização ao fator especialização, proibindo a contratação de empresas para executar as atividades-fim – como reza o Enunciado 331 do Tribunal Superior do Trabalho – a responsabilidade solidária das empresas contratantes com as obrigações trabalhistas, igualdade de direitos e de condições de trabalho e a penalização das empresas infratoras.
Segundo estudos do Sindeprestem, existem no Brasil 28,9 mil empresas de trabalho temporário e de serviços terceirizáveis, a maior parte concentrada no Sudeste. As empresas faturam aproximadamente R$ 40 bilhões por ano e empregam 2,2 milhões de trabalhadores.
O representante das empresas prestadoras de serviço, Jan Wiegerinck, chamou a atenção para a insegurança jurídica que a falta de uma lei específica tem gerado para o setor. Para ele, o processo de terceirização não pode se utilizar da legislação trabalhista constituída no Século XX como também é contra que as empresas atuem tomando por base a legislação do Século XIX.
Para a diretora da CUT, Denise Motta Dau, na prática a terceirização tem sido prejudicial para a sociedade. “O Dr. Jan disse aqui que é importante que a terceirização não faça com que as relações de trabalho voltem ao Século XIX, mas sim que tragam boas condições de trabalho. Mas nós sindicalistas temos testemunhado e acompanhado que, infelizmente, a terceirização tem sido sinônimo de precarização”, disse.
Para o presidente da UGT, Ricardo Patah, os problemas da terceirização foram gerados pela flexibilização “nefasta” que ocorreu no governo de Fernando Henrique Cardoso.
No momento, existem quatro projetos tramitando na Câmara para regulamentar o setor com propostas muito antagônicas. O que mais se aproxima à proposta das centrais, é o PL nº 1621/07, de autoria do deputado Vicentinho.
Pochmann alerta para o processo de internacionalização da terceirização
Por considerar a terceirização dos serviços um processo “inevitável” no mundo inteiro, o presidente do IPEA, Márcio Pochmann, afirmou que o Brasil precisa criar os mecanismos necessários para que este novo cenário se transforme em algo positivo para o país e não o que vem ocorrendo em alguns casos com a precarização do trabalho.
“A terceirização pode ser colocada como um dos principais fenômenos da profunda transformação do mundo do trabalho neste começo de Século. Evidentemente que não é o único fenômeno. Guardadas as devidas proporções, é comparada ao que representou a introdução da linha de montagem na organização do trabalho manufaturado”, disse Pochmann em palestra na Fecomercio.
Citando a implantação do fordismo, Pochmann afirmou que é necessário aprofundar os estudos sobre essa mudança econômica que o mundo vem sofrendo para que o Estado atue no sentido de organizar o setor e tirar proveito para o país. Fora os aspectos negativos, destacou ele, (o fordismo) significou também alguns avanços, como a redução da jornada de trabalho e uma nova configuração da sociedade, com mudanças econômicas e políticas, que no Brasil só foram alcançada tardiamente na década de 30, quando o setor industrial passou a ter primazia.
Pochmann chamou a atenção para as afirmações de que a terceirização tem gerado empregos no Brasil. Segundo ele, o que vem ocorrendo é uma reconfiguração do emprego, mas que o país pode começar a gerar novos postos de trabalho caso ingresse no processo de exportação de serviços.
“Atualmente nós não estamos vivendo um processo só de terceirização, mas principalmente um processe de internacionalização da terceirização, em que as grandes empresas estão enviando os serviços para serem feitos em outros países, como ocorre com a Índia, que concentra grande parte das empresas de serviços no setor de escritórios”, disse Pochmann.
Segundo o economista, esse processo de terceirização também é reflexo de uma nova configuração da propriedade que esta ocorrendo mundialmente, onde se caminha para que não mais que 500 grandes corporações assumam o comando de todas as atividades econômicas. O presidente do Ipea destacou que o setor de serviços tem adquirido um peso muito grande nas economias mundiais.
Ao situar os contextos históricos em que as grandes mudanças ocorreram na economia, Pochmann discorreu sobre os avanços alcançados pelos sindicatos e a melhoria nas condições de trabalho. “Nós passamos de 4 mil horas de trabalho por ano no final do Século XIX para cerca de 2 mil horas de trabalho no final do século XX. Nós temos condições de reduzir ainda mais o tempo, desde que venha acompanhado de uma nova forma de trabalho, uma nova relação do trabalho com a vida”, disse.
Segundo ele, atualmente mudou a visão da sociedade em relação ao tempo de trabalho, acabando a divisão entre o tempo de trabalho e tempo de não trabalho. “Cada vez mais não estará dada a fronteira entre o tempo de trabalho e o tempo de não trabalho. Nós hoje estamos trabalhando muito mais do que há 20 anos atrás. Estamos trabalhando não só no local de trabalho, mas certamente fora dele através da internet, pelo celular e por outras formas. E este é um trabalho não contabilizado, mas esta gerando riqueza. Esta riqueza não está sendo contabilizada e muito menos repartida”, destacou.
Entre outras questões, Pochmann destacou que a terceirização dos serviços também é um aspecto que contribuiu para o aumento da produtividade das empresas, principalmente no setor automobilístico que implantou o sistema de “tempo justo”, acabando com os estoques e efetuando o trabalhado de montagem com o auxílio de uma rede de empresas que entregam diariamente as peças necessárias para a montagem de um automóvel.
“Uma montadora na região do ABC produzia, na década de 80, 800 carros por dia com 25 mil trabalhadores. Levavam em torno de 3 minutos para construir um automóvel. Esta mesma empresa, nos dias de hoje, produz 3 mil carros por dia com 18 mil trabalhadores, um carro a cada 45 segundos. Antes um trabalhador produzia 8 carros por ano e hoje produz 45 por ano”, apontou.
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