Claudia Lemos é programadora da Alterdata Software, que tem sua sede em Teresópolis. Há seis meses, ela comunicou à gerência que teria que se mudar para o Rio, por questões familiares. A empresa mantinha na capital apenas os setores comercial e de suporte, mas, para não perder a profissional, montou toda uma estrutura para que ela continuasse exercendo sua função no escritório do Rio.
O esforço da Alterdata não é em vão.
Assim como outros setores da economia, a tecnologia da informação (TI) enfrenta carência de mão-de-obra qualificada.
A explicação para o problema é a mesma da engenharia: o setor cresceu rapidamente, mas o mercado de trabalho não estava preparado para isso.
Para 63% do setor, não é fácil contratar l Uma pesquisa da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação, Software e Internet (AssesproRJ) revela que 63,8% do segmento de TI no Rio encontra dificuldade para contratar um profissional ou estagiário qualificado. Em 48,2% das empresas, havia vagas em aberto, sendo que 34,3% eram para estagiários. Apenas 41,5% mantinham estudantes em seus quadros, o que mostra que o problema começa na formação – há gente insuficiente se graduando na área.
– Um bom programador de nível técnico está tão difícil de encontrar quanto agulha no palheiro. Houve um crescimento acelerado da tecnologia que não foi acompanhado na formação superior e técnica. Os mais experientes estão indo para o exterior. É uma área com muita mobilidade global. Hoje, um bom webdesigner pode trabalhar no Vale do Silício (na Califórnia) tranqüilamente. Tememos por um apagão de serviços de informática – diz Claudio Nasajon, presidente da Assespro-RJ e da Nasajon Sistemas.
Segundo ele, as companhias maiores têm procurado investir em universidades corporativas para dar conta da demanda.
Já as pequenas empresas, que representam 97% do setor, estão se unindo, para não perderem oportunidades.
– Quando uma não tem um especialista para fazer determinada parte do serviço, ela subcontrata a outra. Com isso, estão começando a surgir empresas que fazem apenas uma etapa do processo, como na indústria automobilística. É o que chamamos de “componentização” da área de TI. Se por um lado a atual situação gera um freio no desenvolvimento, por outro oferece a possibilidade de quebrarmos um paradigma. Esse novo modelo de produção é mais eficaz do ponto de vista industrial e facilita a disseminação da tecnologia – sustenta Nasajon.
No caso da Alterdata, a empresa criou um departamento de treinamento para suprir a falta de qualificação. Além disso, valorizou profissionais como Claudia, que não teve que se desligar.
– Passei a me comunicar via ICQ, telefone, e-mail. Não é o ideal. Mas, até eles conseguirem treinar alguém para chegar no nível em que eu estava, a pessoa levaria, no mínimo, um ano para dar retorno. É um trabalho muito especializado.
Apesar de as linguagens de programação serem as mesmas, cada empresa desenvolve os seus próprios sistemas – explica a programadora, que trabalha na Alterdata há seis anos.
A Webb, empresa de serviços de logística que utiliza processos online, também oferece cursos. Ainda assim, existem 24 vagas ociosas, seis delas abertas há cinco meses. Segundo a empresa, isso ocorre porque a velocidade das contratações não acompanha o crescimento dos negócios, em função da escassez de pessoal.
A principal dificuldade é encontrar profissionais para vagas de níveis júnior ou pleno, já que a maioria dos candidatos qualificados são seniores e têm salários mais altos. Ou seja, quem está começando no mercado ainda não possui a formação necessária para suprir a demanda.
A Documentar, outra do ramo de tecnologia da informação, tem uma média de 40 vagas mensais. Além da especificidade do negócio (gestão de documentos), a empresa esbarra na falta de qualificação técnica e de conhecimento de inglês, fundamental nesse meio.
– O investimento da empresa em formação é de cerca de dois anos e, quando o profissional está pronto, o risco de perdêlo é grande. Por isso, adotamos algumas ações, como o programa de retenção de talentos – diz Rosália Paraiso, diretora da Documentar.
Um terço das empresas tem até oito anos
Quase 30% foram criadas entre 2000 e 2007, mas mercado de trabalho não acompanhou crescimento
Do universo de empresas do setor de TI no Rio, 29,1% foram criadas de 2000 a 2007 e 47,5% na década de 90, segundo a pesquisa da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação, Software e Internet (AssesproRJ). Mas, se o setor vinha crescendo tanto, por que faltam profissionais qualificados? As empresas ouvidas no levantamento culparam as universidades pela baixa qualidade do ensino: 29,8% apontaram essa razão para explicar por que encontram dificuldade nas contratações.
Já outros 22,6% disseram que faltam cursos de especialização e 12,1%, que falta interesse dos estudantes em se aperfeiçoar. Aliás, o comprometimento com o trabalho é a segunda característica profissional mais valorizada por essas empresas, com 11,9%. Em primeiro, aparece o conhecimento técnico, com 19,6%.
Dificuldade aumenta quando se exige comprometimento André Matos, diretor-executivo da Lumis, que desenvolve portais corporativos, diz que não é fácil encontrar profissionais com as duas habilidades.
– Já é difícil achar quem tem qualificação técnica. E, quando se busca outras competências, como comprometimento, a dificuldade aumenta.
Segundo ele, após a contratação, a empresa ainda tem a missão de não perder o funcionário para a concorrência. Por isso, além de um bom salário, é preciso mostrar que existe um ambiente de trabalho agradável e oportunidade de crescimento.
Raquel Zanetti, coordenadora de recrutamento e seleção da consultoria de RH Personal Service, diz que reduzir o turnover, índice de rotatividade de pessoal, é um dos principais desafios das empresas do setor.
Ela fala com experiência própria, já que a Personal Service tem uma equipe de TI.
– O mercado de trabalho nessa área está muito aquecido.
A maioria dos bons profissionais está empregado e recebendo muito bem. As companhias estão aprimorando processos, criando programas personalizados e investindo fortemente em segurança da informação, o que aumenta a demanda por esses serviços.
Na falta de profissionais prontos, a Lumis passou a desenvolver cada vez mais a “prata da casa”, delegando responsabilidades e cargos de liderança a profissionais que começaram como estagiários.
Para André Matos, as universidades não estão conseguindo formar mão-de-obra na velocidade e na qualidade que o mercado precisa.
– Muitos dos que saem da faculdade não têm a base necessária – afirma.
O professor José Ferreira de Rezende, coordenador do curso de engenharia da computação e da informação da Escola Politécnica da UFRJ, considera que o problema vai além do ensino superior.
– A qualidade depende muito da formação no ensino fundamental e médio. Universidades de tradição são mais rigorosas em seus processos de seleção, mas são em menor número. Além disso, existe um antagonismo entre o que as empresas esperam e o que as universidades consideram importante – diz Rezende, ressaltando que a UFRJ oferece uma formação sólida em conhecimentos básicos, que permitem ao aluno adquirir com facilidade a parte específica.
De acordo com o site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), existem 22 cursos ligados à computação no Rio, mas apenas quatro são de instituições públicas. Em informática, são 19 cursos, sendo 17 privados.
Em TI, só há graduação em cursos pagos.
O PROFISSIONAL DESEJADO
NICHOS: A pesquisa da Assespro aponta que a linguagem de programação é o conhecimento mais valoriz ado no mercado, com 23,6% de preferência das empresas. Portanto, esse é um caminho para quem quer aumentar a sua empregabilidade no meio. Depois, aparecem os conhecimentos sobre banco de dados, com 18,2%, e desenvolvimento de web, com 13,9%.
EXPERIÊNCIA: O levantamento mostra que 70% das empresas admitem que experiência profissional é importante na hora da contratação.
Por esse motivo, quem já fez algum estágio larga na frente.
INGLÊS: Apenas 38,1% das empresas responderam que a maioria dos seus funcionários domina a língua inglesa, imprescindível para o trabalho. Já o espanhol não é tão relevante assim.
Somente 7,6% das empresas têm profissionais com domínio do idioma.
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