Aos 65 anos, Frank Abagnale Jr. escreveu uma autobiografia de sucesso, foi interpretado por Leonardo DiCaprio em um filme de Steven Spielberg, serviu de tema para um musical da Broadway e inspirou uma série de TV. O que ele fez para receber tanta atenção? Dos 16 aos 21 anos, Abagnale se passou por um piloto da Pan Am, um médico e um advogado em sucessivos golpes que lhe renderam US$ 2,5 milhões à época.
Narradas no filme "Prenda-me se for capaz", as aventuras terminaram com sua prisão, na França, a pedido da Interpol. Duraram apenas cinco anos, mas definiram toda sua vida. Abagnale passou quatro anos em uma cadeia nos Estados Unidos, antes de o FBI propor que ele ficasse livre sob a condição de ajudar a capturar outros criminosos até o fim de sua pena, de 12 anos. A parceria se revelaria mais duradoura. Até hoje, 38 anos depois, Abagnale trabalha com a polícia americana para identificar trapaceiros. A diferença, agora, é que muitos deles não têm rosto, já que os crimes são praticados a distância, via internet.
"O que eu fiz há 50 anos é milhares de vezes mais fácil fazer hoje", diz Abagnale. Em meados dos anos 60, quando ele começou a dar golpes, era necessário ter acesso a uma impressora offset de grande porte, com pelo menos dois operadores, para forjar um cheque minimamente convincente. "Hoje, o fraudador pega um laptop e em 15 minutos cria um cheque em quatro cores", afirma Abagnale. "A tecnologia ajuda o crime. Sempre ajudou e vai ajudar porque sempre há alguém disposto a usá-la de maneira negativa."
O traje de Abagnale remete à elegância vista no filme de 2002, baseado em sua biografia e no qual ele faz uma ponta como o policial francês que prende DiCaprio. O conjunto é composto de terno cinza, camisa branca, gravata preta e lenço milimetricamente disposto no bolso. Durante a conversa, ele prende a atenção o tempo todo. Dá para entender por que Abagnale conseguiu convencer um pediatra vizinho de que era um colega da mesma especialidade – a ponto de ser convidado para dirigir a ala de pediatria do hospital local durante as férias do médico verdadeiro.
Abagnale nasceu em Bronxville, Nova York, onde cresceu numa família de quatro filhos. O equilíbrio familiar ruiu quando os pais se divorciaram, encerrando uma união de 22 anos. "Fui levado a um juiz que perguntou com qual deles eu queria ficar", conta. O efeito da separação foi devastador na vida do garoto e acabou fazendo com que aos 16 anos ele saísse de casa para tentar a sorte sozinho. Para sobreviver, passou a dar golpes.
"Há coisas que você não esquece. Quando estava preso, só queria abraçar meu pai e dizer que estava arrependido", afirma. Não deu tempo. O pai morreu em decorrência de uma queda, enquanto Abagnale estava encarcerado (houve duas penas de seis meses na França e na Suécia, antes dos EUA). "Mas eu não vou justificar meus atos com o divórcio [dos meus pais]. Assumo minhas atitudes. Foi errado, mas eu era muito jovem", diz.
Perguntado se nesses 38 anos de investigação, encontrou alguém tão talentoso como ele, Abagnale – dono de sua própria consultoria de segurança, a Abagnale & Associates – diz já ter visto muita gente habilidosa. A web, no entanto, dá um peso diferente às pessoas envolvidas em fraudes. A questão, hoje, não é tanto identificar um hacker genial, mas perceber as falhas das pessoas que trabalham nas empresas e que servem de porta de entrada a criminosos. Visitar um site não recomendado pode por a perder um enorme investimento em segurança, porque o hacker encontra vulnerabilidades de que o administrador do sistema nem desconfia.
Os casos mais difíceis, diz, envolveram grandes fraudes empresariais. Abagnale participou das investigações dos escândalos Enron, WorldCom e Tyco, nos anos 2000. Mas isso não significa que o usuário comum não seja uma preocupação crescente.
Nos EUA, já existem softwares de reconhecimento facial que vasculham o Facebook até encontrar a pessoa retratada. Quem costuma dar informações pessoais detalhadas no site, pode tornar-se vítima fácil de roubos de identidade, afirma. Casado e pai de três filhos, o mais velho deles um agente do FBI, Abagnale prefere manter distância das redes sociais. "Não tenho perfil em nenhuma delas", diz.
Fonte: Valor Econômico
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