Pesquisa do IBGE (2010) revelou que 18,8% da população brasileira possui alguma deficiência visual, seja ela parcial (subnormal ou baixa visão), total (cegueira) ou problemas para enxergar com óculos e lentes de contato. Isso equivale a quase 35,7 milhões de pessoas que enfrentam uma sociedade que ainda tem dificuldades em lidar com o deficiente. É aí que entra o Centro de Apoio ao Deficiente Visual, o Cadevi.
Deficiência como o despertar para a mudança
Fundado em 1984, o Cadevi começou com a ideia de promover atividades esportivas específicas para deficientes visuais. As práticas esportivas eram, inicialmente, realizadas nas praças de São Paulo e foram conquistando adeptos aos poucos.Foi com o primeiro evento oficial em parceria com a Secretaria Municipal de Esportes – um torneio de futsal que contou com a participação de quatro equipes – que as pessoas começaram a se mobilizar e se interessar pela ideia.
Em pouco tempo, além do futsal, a entidade conseguiu reunir praticantes de natação e atletismo. "Foi um começo muito difícil, mas que, com muito trabalho, conseguimos manter o Cadevi vivo", disse um dos fundadores, João Batista Anadão. "Hoje, vendo a importância que o Cadevi tem, na vida de muitos que por aqui passaram, para todo tipo de atendimento, tenho certeza de que valeu a pena tanto trabalho", completou.
O deficiente visual subnormal, Paulino Katayama, 59, é uma das pessoas que participaram da fundação do Cadevi ao lado de João Batista Anadão e Francisco Adalberto de Assis Santana, ambos deficientes visuais, e Steven Dubner que, à época, já trabalhava com a prática de esportes com pessoas com deficiência. "Hoje participo como 2º secretário e dos eventos que promovemos", contou.
Katayama ressaltou que apesar dos obstáculos que o tempo foi colocando no caminho, os fundadores e entusiastas decidiram, num sábado chuvoso, comprar o que viria a ser a maior realização: a sede do Cadevi, na Praça da Árvore, em São Paulo. E o Cadevi cresceu.
Atualmente a instituição é presidida por Lothar Antenor Bazanella, 62, que assumiu a gestão também nos anos de 2004 a 2006 e 2006 a 2008. Tantos anos à frente do Centro de Apoio fizeram com que Bazanella conhecesse as mais diversas histórias de dificuldades e superação. Tanto quanto a própria. Lothar perdeu a visão aos 5 anos de idade num acidente com arma de fogo.
"Dentre tantas histórias que vivi aqui, eu destacaria a de um garoto que vinha para as atividades trazido pela mãe. Depois do falecimento dela, o pai assumiu o papel e o trazia. Ao perder também o pai, ele continua a ser um dos mais assíduos das nossas atividades, agora vindo sozinho. São muitas lições, mas cada associado nosso é protagonista de emocionantes histórias de superação", contou o diretor presidente do Cadevi, que também é o pioneiro do curso de programação de computadores para cegos no IBIS – Instituto Brasileiro de Incentivos Sociais, em 1973. Nessa época, só havia dois programadores cegos no Brasil, que decidiram repassar sua experiência a outros deficientes.
Em busca de novas habilidades
A região Sudeste do País conta hoje com cerca de 3% de deficientes visuais. Com a finalidade de permitir que o deficiente visual adquirisse mais habilidades, o Cadevi ampliou seu objetivo inicial. Hoje, os deficientes visuais a partir dos 10 anos de idade contam também com atividades sociais, educacionais, culturais e profissionalizantes.
Para Lothar Bazanella, a locomoção é só uma parte de uma série de outras necessidades de aprendizado de um deficiente visual. "Um dos principais fatores para a integração do deficiente visual na sociedade é a locomoção com autonomia, além do aprendizado de comportamentos socialmente aceitos como, por exemplo, saber portar-se à mesa, correção postural, apresentação pessoal etc.", complementou.
Com a criação de cursos como informática, sistemas operacionais, treinamento de locomoção, condicionamento físico, Braille, tear, aulas de pilates, karatê, xadrez e outros esportes, os atendimentos aumentaram: são realizados mais de 4 mil por ano para aproximadamente 900 deficientes visuais.
E a ampliação não parou: novos projetos estão em processo de aprovação e organização. O Projeto de Xadrez, apesar de fazer parte da agenda do Cadevi há alguns anos, foi protocolado em 2013 e está aguardando finalização do Ministério do Esporte. O "CitiEsperança", que promoverá a inclusão digital, educacional, cultural e de esporte está sendo encaminhado para aprovação pelo Cadevi. Além disso, a instituição pretende promover palestras e oficinas em parceria com a empresa biofarmacêutica AstraZeneca.
Outro projeto citado por Bazanella e que depende de patrocínio é chamado de "Atividades da Vida Diária" – VD. O curso depende de um profissional de terapia ocupacional para ensinar questões de convivência social como alimentação, vestir e despir, banho, higiene pessoal e até maquiagem. São novidades que devem ser implantadas em 2015.
Inclusão sem limites
Erra quem pensa que a limitação visual impede os participantes do Cadevi de praticarem atividades que poderiam ser consideradas impossíveis para eles. Escalada esportiva, tirolesa, canoagem, rafting, trilhas, esportes radicais e surfe incrementam os eventos e passeios que são organizados pela entidade. Com o lema "inclusão sem limites", o Centro de Apoio incentiva a inclusão e o fim do preconceito e das limitações infligidas aos cegos e pessoas com baixa visão.
De acordo com Bazanella, a prática dessas atividades colabora com a autoconfiança. "A inclusão de atividades mais radicais visou atender ao anseio de aventura e desafios de muitos de nossos usuários. Os participantes dessas atividades são criteriosamente selecionados pelos respectivos coordenadores, considerando-se sua capacitação psicomotora e observando-se os cuidados com a segurança", assegurou.
No entanto, a preocupação com as questões de saúde – física e mental – e sociais vem acompanhada do olhar crítico com relação à vida profissional do deficiente. A Lei 8.213/91, que prevê cotas para Deficientes e Pessoas com Deficiência, para o Cadevi, é motivo de debate. A inclusão obrigatória dos deficientes tem levado o diretor presidente Bazanella a pensar numa campanha de conscientização.
Relatos de que empresas contratantes pagam o salário e "sugerem" que o deficiente fique em casa é muito comum no Brasil. "O deficiente acaba aceitando, afinal, é uma situação cômoda, porém, não digna", alertou.
Sociedade colaborativa
Por ser uma associação sem fins lucrativos, o Centro de Apoio ao Deficiente Visual de São Paulo depende basicamente das parcerias que foram realizadas ao longo dos seus 30 anos de funcionamento. E o Sindpd, desde 2011, tem realizado esse trabalho de participação de forma muita ativa.
A contribuição do Sindpd permite que serviços de água, luz, telefone, zeladoria, contabilidade, assessoria administrativa, material de higiene e limpeza, pequenas manutenções da sede, entre outras coisas, continuem em funcionamento, garantindo que a entidade prossiga com o trabalho. "No entanto, cabe salientar que todos os diretores e conselheiros são voluntários e que todas as atividades oferecidas são gratuitas", lembrou o diretor presidente do Cadevi.
"Uma coisa é quando você quer pilotar um carrinho de rolimã; outra coisa é quando você quer dirigir um ônibus", falou Katayama sobre a responsabilidade de manter uma instituição como o Cadevi. "Se não tivesse a parceria com o Sindicato, sinceramente não sei se o Cadevi teria condições de se manter. As coisas são difíceis, mas, graças a essa ajuda do Sindpd, a participação no Centro de Apoio não está prejudicada", finalizou o 2º secretário da entidade.
O presidente do Sindpd, Antonio Neto, reafirmou a importância da parceria para o desenvolvimento de novas atividades que possam levar aos deficientes visuais uma nova experiência e melhores condições de vida. "Nós nos sentimos honrados pela parceria que conseguimos estabelecer. O Sindpd tem o compromisso, além de atuar como entidade de classe, de priorizar a integração e o sentimento de colaboração. Esperamos que essa parceria entre nós perdure", declarou.
O morador do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, Paulo Fernando, de 34 anos, nasceu cego. Por meio de amigos foi que ele conheceu o trabalho do Centro de Apoio e começou a frequentar em meados dos anos 2000. Nessa época, segundo ele, o Cadevi tinha uma frequência muito maior de pessoas, mas esse número foi decaindo, segundo ele, devido à falta de mais colaboradores. "Hoje faço aula de condicionamento físico aos sábados. Lembro que, há quase 15 anos, nós contávamos com mais cursos e aulas. Infelizmente, talvez por falta de parceiros, essas possibilidades tenham decaído", lamentou.
A importância do Cadevi
A população mundial aumenta a cada dia: já passou, em 2011, do índice de 7 bilhões de pessoas. Desse total, de acordo com dados do World Report on Disability de 2010 e Vision 2020, uma pessoa fica cega a cada 5 segundos e 90% dos casos de cegueira acontecem nos países emergentes e subdesenvolvidos. Até o ano de 2020, estima-se que o número de deficientes visuais dobre.
Pode parecer assustador, mas, com o tratamento precoce, atendimento educacional adequado, programas e serviços especializados, a perda da visão pode rumar ao início de uma vida independente e produtiva.
O Centro de Apoio conta com um quadro de 10 voluntários permanentes e aproximadamente 32 eventuais. A contribuição dos associados – que hoje mobiliza 46 contribuintes – é de no mínimo R$5 (Cinco Reais) mensais e é feita espontaneamente.
Para Paulino Katayama, o maior orgulho é quando as pessoas dizem que "jamais viram um cego do Cadevi sozinho". É um símbolo do alcance da colaboração, sentimento de civilidade, parceria e atuação do Centro de Apoio aos Deficientes Visuais em São Paulo.
Por isso, o Cadevi tem promovido e ampliado sua gama de atendimento e serviços, que funciona de segunda a sexta-feira, das 13h às 21h. Para saber mais, envie email para [email protected] ou ligue para (11) 5589-0006.
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