Alta de juros – Frederico Trajano, de 49 anos, nasceu em Franca (SP) em 1976, mesmo ano em que o Magazine Luiza, fundado por sua tia-avó Luiza Trajano Donato, realizou sua primeira aquisição — as Lojas Mercantil —, expandindo a atuação da varejista para outras cidades do interior de São Paulo.
Quase cinco décadas depois, com os últimos dez anos à frente da Magalu como CEO, Fred Trajano soma 22 aquisições — antes dele, a empresa havia fechado dez. Desde que assumiu o comando, transformou uma das maiores redes de móveis e eletroeletrônicos do Brasil em um conglomerado que inclui artigos esportivos (Netshoes), acessórios (Shoestock), calçados (Zatini), delivery (AiQFome), conteúdo (CanalTech), livros (Estante Virtual) e games (Kabum!), mergulhando de vez no universo digital.
Leia: Governo adia regra sobre saúde mental do trabalhador
O “ecossistema” da Magalu também abrange empresas especializadas em operações online, como Logbee (gestão de entregas em tempo real), Magalu Ads (publicidade) e Magalu Pagamentos (antecipação de recebíveis), direcionadas aos vendedores do marketplace da varejista (os “sellers”).
Agora, em 2024, ele busca finalizar mais uma missão estratégica: reduzir significativamente a exposição da companhia às oscilações típicas do varejo, muito exposto às mudanças na taxa de juros.
“Com a Selic elevada, fica muito difícil lucrar. Já quando os juros caem, esse segmento [de móveis e eletro] se sai melhor que outros no varejo. É um setor extremamente cíclico”, explica. “Em todo período de alta de juros, alguma empresa do ramo quebra ou quase chega lá”, afirma.
De acordo com ele, a diversificação foi essencial para tornar o negócio mais independente do cenário macroeconômico. Confira trecho da entrevista:
Folha: O varejo de móveis e eletro é muito dependente de crédito –mas o sr. já disse que o Magalu estava construindo um negócio “à prova de Selic”. Como é isso?
Considero que a gente concluiu a digitalização em 2020, quando fechamos 1.300 lojas por causa da pandemia e, mesmo assim, crescemos 50%. Mas o que eu ainda não tinha feito? Tirar a ciclicidade do nosso resultado, essa dependência do cenário macroeconômico. A gente começou um segundo ciclo estratégico, que foi o da construção do ecossistema, justamente para conseguir um bom resultado mesmo quando a Selic estiver muito alta. Eu vejo que, em todo ciclo de alta de juros, um grande player do setor quebra, pede recuperação judicial ou extrajudicial.
O objetivo era criar outras linhas de negócios que fizessem a gente depender menos não só de crédito, mas da própria categoria [móveis e eletro]. São várias linhas que vão se somando e assim afastam a volatilidade do resultado. Em 2024, a Selic superou 12%, um dos maiores juros reais do mundo, e nosso lucro operacional cresceu 40%, o que seria impossível antes. Saímos de um prejuízo de R$ 500 milhões em 2023 para um lucro de R$ 300 milhões em 2024. O resultado já se mostra mais à prova de Selic.
Avalia que existam pontos na regulação do comércio varejista no Brasil que deveriam ser revistos?
As plataformas de marketplace precisam se corresponsabilizar pela informalidade dos sellers. Não só os chineses, mas o e-commerce como um todo. Hoje sei que muitos vendedores cometem atos de informalidade nos grandes marketplaces, e as varejistas não se responsabilizam por isso. Na reforma tributária, quase passou uma regra que determinava que o marketplace seria corresponsável pelo recolhimento dos impostos dos sellers. Mas houve um lobby muito grande e a medida não foi aprovada. Se fosse, seria uma evolução, garantiria o aumento da arrecadação. No Magazine Luiza, a gente garante que o vendedor emite uma nota fiscal eletrônica exatamente no mesmo valor do que o consumidor pagou.
Quais as suas expectativas para 2025 em termos de negócios?
Eu vejo o ano muito parecido com o anterior. Infelizmente, o ciclo de alta de juros ainda não acabou, mas eu vejo uma demanda mais robusta do que a dos consensos dos economistas. Há uma população que está em pleno emprego, salários ainda protegidos pelos indexadores, benefícios públicos e sociais, como Bolsa Família, salários da iniciativa privada protegidos pela reposição inflacionária. A economia pode até desacelerar –porque a base de 2023 para 2024 foi muito baixa, e a base de 2024 é mais sólida–, mas a demanda vai continuar robusta.
Você é o quarto líder do Magazine Luiza em 68 anos de empresa. A transformação tecnológica será a sua marca registrada?
A digitalização da companhia, feita sobretudo na minha gestão, é um legado que eu vou deixar para as gerações futuras, mas não sei se é o único. O mundo está mudando de novo, nós já estamos vivendo uma nova revolução, que é a da inteligência artificial, que deve ter um impacto tão grande nos hábitos de consumo quanto foi o advento da internet e do celular, duas mudanças tecnológicas que transformaram a forma de comprar. Provavelmente eu vou ter que construir novos alicerces e talvez consiga deixar outros legados, não só para o Magalu, mas para todas as empresas e atores que fazem parte desse ecossistema.
Eu gostaria de deixar um legado de digitalização para o varejo como um todo, e não só para o Magazine Luiza.
Como deve ser a varejista em 2030?
Os clientes vão comprar quase sempre através de um agente de IA. Espero que o Magalu esteja preparado para essa mudança de hábitos, que seja uma das empresas que consigam se antecipar a essa tendência e oferecer um serviço que melhore a experiência do consumidor, que ainda não é a ideal.
Por quê?
A jornada de compra atual, em que você encontra um produto pelo buscador, vê uma foto com uma ficha técnica, tem muitas falhas. No passado, parecia a melhor experiência possível, mas é uma decisão complexa, de muitas camadas, é complicado entender as especificidades de cada produto. É preciso contextualizar o produto para a ocasião de compra. Existe um gap tecnológico para fazer isso de maneira massiva. Agora, com a evolução da inteligência artificial, acho que existem ferramentas para melhorar essa jornada –que ainda precisa ter calor humano.
Leia a entrevista completa clicando aqui.
(Com informações de Folha de S.Paulo)
(Foto: Divulgação/ Magazine Luiza)