A maior parte dos marketplaces no Brasil não cumpre requisitos essenciais da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), mostrou análise realizada pela FGV Direito Rio. O levantamento avaliou 100 sites de e-commerce e mostrou que menos da metade deles informa adequadamente aos clientes os direitos assegurados pela legislação.
O estudo foi desenvolvido pelo Núcleo de Estudos em E-commerce entre março de 2022 e agosto de 2024. As empresas foram analisadas com base em suas políticas de privacidade e em resposta a solicitações reais de acesso e eliminação de informações.
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Os resultados indicam uma baixa conformidade com as regras da LGPD. Para os consumidores, isso significa lidar com práticas pouco transparentes e ter um controle restrito sobre seus dados pessoais. A pesquisa incluiu desde grandes plataformas de e-commerce até marketplaces especializados em setores como moda, beleza, esportes e produtos pet.
Encarregado de dados
Um dos requisitos básicos da LGPD é a indicação de um responsável pelo tratamento de dados, que atua como intermediário entre a empresa, os usuários e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). No entanto, apenas 29% das plataformas que têm essa obrigação divulgam o nome e os contatos desse encarregado.
Outro problema é a falta de transparência sobre como e com quem as empresas compartilham informações dos clientes, como CPF e histórico de compras. Embora a lei exija uma justificativa legal para esse compartilhamento, 27% das plataformas não mencionam esse aspecto em suas políticas de privacidade.
Dados compartilhados
Detalhes sobre quem recebe os dados e quais informações são repassadas raramente são divulgados, mesmo que essa não seja uma exigência legal. Apenas 16% das empresas especificam quais dados são compartilhados, enquanto 84% omitem essa informação. Além disso, 77% citam de forma vaga os parceiros envolvidos (como empresas de marketing e logística), e 23% nem sequer os mencionam.
Outro ponto crítico é a desatualização das políticas de privacidade. Durante o estudo, um terço das plataformas não informava a data da última revisão do documento, e dez ainda mantinham versões de 2020 ou anteriores – período anterior à aplicação das sanções da LGPD.
Nicolo Zingales, coordenador do Núcleo de Estudos em E-commerce da FGV Direito Rio e responsável pela pesquisa, afirma que o setor ainda não cumpre plenamente as obrigações básicas da LGPD, mesmo após quase cinco anos de vigência da lei.
“O nível de adequação ainda está abaixo do esperado. Isso também reflete uma autoridade (a ANPD) com poucos recursos e muitas demandas para regulamentar”, diz o professor, que defende uma atuação mais clara e proativa do órgão regulador.
Direitos do consumidor ocultos
Zingales destaca que, para exercer seus direitos, os consumidores precisam conhecê-los. A LGPD exige que as empresas apresentem de forma clara e acessível os direitos dos titulares de dados, como acesso, correção, exclusão e portabilidade. No entanto, essa não é a realidade na maioria das plataformas.
A pesquisa revelou que apenas 44% dos marketplaces listam todos os direitos previstos em lei, enquanto 8% não mencionam nenhum. O restante cumpre a regra parcialmente.
O coordenador ressalta que o e-commerce, por lidar com um grande volume de dados, deveria ser referência em proteção e transparência. Entre os direitos da LGPD, o de acesso é um dos mais negligenciados na prática. Ele permite que o consumidor saiba quais dados pessoais estão sendo utilizados pelas empresas. Para testar esse direito, os pesquisadores enviaram solicitações formais às 100 plataformas analisadas.
Exclusão de dados negada
No caso das solicitações de acesso a dados pessoais, 27% dos marketplaces não responderam. Entre os que responderam, 35% não verificaram a identidade do solicitante, enviando informações sem confirmar se estavam lidando com o verdadeiro dono dos dados.
Já nos pedidos de exclusão, 47% das empresas confirmaram a eliminação das informações, mas 8% continuaram enviando mensagens promocionais mesmo após a solicitação. Entre as que negaram o pedido, 84% não justificaram a decisão ou simplesmente não responderam.
Zingales lembra que a lei só permite a retenção de dados em situações específicas, como cumprimento de obrigações legais ou pesquisas científicas. Para ele, o direito à exclusão é fundamental para a proteção de dados e a autonomia do consumidor.
“O titular dos dados deve ter controle sobre como a sociedade o enxerga e sobre o uso de suas informações. Se o tratamento for baseado em consentimento, ele deveria poder revogá-lo a qualquer momento”, afirma o professor.
(Com informações de O Globo)
(Foto: Reprodução/Freepik)