Dezenas de motocicletas elétricas do tipo scooter estavam enfileiradas do lado de fora de um shopping em Hangzhou, no leste da China, atraindo transeuntes para testá-las. Os veículos, vendidos entre US$ 400 e US$ 660, não utilizavam baterias tradicionais de chumbo-ácido ou de íon de lítio, mas sim baterias de sódio, elemento abundante que pode ser extraído do sal marinho.
Ao lado das scooters, torres de recarga rápida prometiam reabastecer os veículos de 0% a 80% em 15 minutos, segundo a Yadea, principal fabricante chinesa de veículos de duas rodas. A empresa realizou o evento promocional em janeiro de 2025 para divulgar os novos modelos e o sistema de recarga. Também havia uma estação de troca de baterias, que permitia a substituição por meio de QR code.
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A Yadea é uma entre várias companhias chinesas que investem em tecnologias alternativas de baterias, indicando a velocidade de desenvolvimento do setor de tecnologia limpa no país. Enquanto outros países ainda buscam acompanhar a China na produção de baterias de íon de lítio, as fabricantes chinesas já avançam na produção em massa de baterias de íon de sódio.
A China foi pioneira no lançamento de carros movidos a sódio, mas os modelos ainda têm baixo impacto, sendo pequenos e com autonomia limitada. Em abril de 2025, a CATL, maior fabricante de baterias do mundo, anunciou planos para produzir baterias de íon de sódio em massa para caminhões e veículos pesados sob a nova marca Naxtra.
Além dos veículos, operadoras de rede chinesas começaram a implementar baterias de sódio em estações de armazenamento de energia, auxiliando na absorção de energia renovável. Pesquisadores ouvidos pela BBC apontam esse setor como o principal campo de testes para a nova tecnologia.
Para Cory Combs, pesquisador de minerais críticos e cadeias de suprimentos da consultoria Trivium China, ainda não está claro se as baterias de sódio terão sucesso comercial, mas a estratégia multifacetada das empresas chinesas pode colocá-las na liderança em uma eventual corrida global.
Um dos setores que mais aposta nas baterias de sódio é o de veículos de duas rodas, altamente popular e competitivo na China. A Yadea já lançou três modelos com essa tecnologia e planeja mais. Também criou o Instituto de Pesquisa de Novas Energias Hangzhou Huayu, voltado à pesquisa em baterias emergentes.
“Queremos levar a tecnologia do laboratório para os clientes rapidamente”, disse Zhou Chao, vice-presidente da Yadea, em janeiro, em entrevista à China Central Television.
“Pequenos burros elétricos”
Conhecidos na China como “pequenos burros elétricos”, os veículos de duas rodas são amplamente utilizados no dia a dia, sendo ideais para trajetos curtos e baixa velocidade, o que os torna compatíveis com a menor densidade energética das baterias de sódio, quando comparadas às de lítio.
Para esses veículos, a principal concorrente das baterias de sódio é a bateria de chumbo-ácido, que possui densidade de energia e vida útil ainda menores, mas custa menos, segundo Chen Xi, pesquisador da Universidade Xi’an-Jiaotong Liverpool, na China.
Com cerca de 55 milhões de unidades vendidas apenas em 2023, os veículos elétricos de duas rodas representam um volume quase seis vezes maior que o de carros elétricos vendidos na China no mesmo período, de acordo com a consultoria iResearch.
Visando a produção em escala, a Yadea iniciou em 2024 um projeto piloto com 150 mil entregadores de comida em Shenzhen, permitindo a troca de baterias descarregadas por outras carregadas em 30 segundos.
O crescimento de empresas como Yadea e a Dudu Huandian fez com que Shenzhen planejasse se tornar uma “cidade de troca de baterias”, com a instalação de 20 mil pontos até 2025 e 50 mil até 2027, segundo a Associação da Indústria de Bicicletas Elétricas de Shenzhen.
As baterias de íon de sódio e de lítio compartilham estrutura similar, diferenciando-se apenas pelos íons utilizados para armazenar e liberar energia. O sódio, 400 vezes mais abundante que o lítio, pode ser uma alternativa acessível e de menor custo, além de aliviar gargalos nas cadeias de suprimento.
Apesar de a tecnologia não ser nova, seu desenvolvimento foi ofuscado pelo sucesso comercial das baterias de íon de lítio após o lançamento do modelo da Sony em 1991. A retomada do interesse pelo sódio ocorreu no início da década de 2020, especialmente após o disparo no preço do lítio durante a pandemia. Em julho de 2021, a CATL lançou sua primeira bateria de íon de sódio, despertando o interesse do setor, segundo Phate Zhang, do site CnEVPost.
Kate Logan, do Asia Society Policy Institute, destaca a abundância do sódio e a busca por cadeias de suprimentos mais resilientes como principais motivadores dos investimentos chineses. Na época da alta, a China importava cerca de 80% do minério de lítio que refinava, principalmente da Austrália e do Brasil.
Com a queda no preço do lítio desde o fim de 2022, o entusiasmo com o sódio diminuiu. “O lítio está de volta ao papel de liderança na China”, observa Cory Combs. Ainda assim, a segurança continua sendo uma vantagem das baterias de sódio, principalmente diante da onda de incêndios registrada em 2024 em veículos de duas rodas, atribuída à autocombustão de baterias de íon de lítio.
(Com informações de BBC News Brasil)
(Foto: Reprodução/Freepik)