A Food and Drug Administration (FDA), agência responsável pela regulamentação de alimentos e itens voltados ao bem-estar e à saúde nos Estados Unidos, pretende empregar inteligência artificial para “aumentar radicalmente a eficiência” na análise e liberação de medicamentos e dispositivos médicos. A mudança está entre as prioridades apresentadas em um artigo publicado na terça-feira (10) no periódico JAMA.
Outra proposta envolve a reavaliação de compostos químicos e “ingredientes preocupantes” presentes em alimentos consumidos nos EUA, mas ausentes em produtos similares de outros países desenvolvidos.
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As autoridades também sinalizaram a intenção de acelerar os estágios finais do processo de aprovação de fármacos e dispositivos, encurtando o prazo para algumas semanas — uma referência ao êxito da Operação Warp Speed, realizada durante a pandemia de Covid-19.
“O FDA se concentrará em fornecer curas mais rápidas e tratamentos significativos para pacientes, especialmente aqueles com doenças negligenciadas e raras, alimentos mais saudáveis para crianças e abordagens de bom senso para reconstruir a confiança pública”, escreveram Marty Makary, comissário da agência, e Vinay Prasad, chefe da divisão de vacinas e terapias genéticas, no artigo do JAMA.
O FDA tem atuado de forma estratégica dentro das diretrizes definidas pelo secretário de saúde dos EUA, Robert F. Kennedy Jr., e já iniciou a pressão sobre a indústria alimentícia para banir corantes artificiais. O plano também se alinha com políticas da administração Trump, voltadas a desburocratizar o acesso das indústrias ao mercado, colocando produtos mais rapidamente nas farmácias e supermercados.
Algumas das ideias apresentadas no JAMA foram recebidas com reservas, especialmente a proposta de que a IA poderia substituir meses — ou até anos — de análises minuciosas dos pedidos submetidos pelas empresas em busca de aprovação para medicamentos ou dispositivos de risco elevado.
“Não quero menosprezar a aceleração das revisões na FDA. Acho que há um grande potencial aqui, mas ainda não estou vendo”, afirma Stephen Holland, advogado que já atuou como consultor do Comitê de Energia e Comércio da Câmara na área da saúde.
O anúncio do uso ampliado de IA veio pouco depois da divulgação de um relatório da Comissão MAHA (Make America Healthy Again), liderada por Kennedy, que foi criticado por conter referências aparentemente forjadas por ferramentas de inteligência artificial.
Em algumas situações, integrantes do FDA sugeriram flexibilizar os critérios de aprovação de medicamentos essenciais, exigindo apenas um estudo clínico relevante com pacientes, em vez de dois — procedimento que a agência já vinha adotando nos últimos anos. Segundo os responsáveis, a pandemia demonstrou que esse tipo de aceleração é viável.
“Acreditamos que esta é uma demonstração clara de que revisões rápidas ou instantâneas são possíveis”, escreveram Makary e Prasad.
Holland, no entanto, alertou que, durante a emergência sanitária, diversas funções regulares foram suspensas — como inspeções internacionais de fábricas de alimentos e medicamentos — para priorizar a análise de produtos contra a Covid-19.
Recentemente, o FDA reduziu seu quadro de pessoal em cerca de 1.940 profissionais, caindo de aproximadamente 10 mil para 8 mil funcionários.
Na semana passada, a agência apresentou o Elsa, um modelo de linguagem baseado em IA semelhante ao ChatGPT. Segundo o FDA, a ferramenta poderá auxiliar na priorização de inspeções, elaborar resumos de efeitos colaterais de medicamentos e realizar outras tarefas básicas de revisão. De acordo com técnicos da agência, a tecnologia promete “aumentar radicalmente a eficiência” na análise de até 500 mil páginas de documentos por decisão de aprovação.
Apesar disso, especialistas — incluindo autoridades da saúde, atuais e anteriores — apontaram que o impacto da ferramenta ainda é limitado. Entre as restrições, estão o número máximo de caracteres processados por vez e a necessidade de revisão cuidadosa dos resultados, o que tem gerado economia de tempo modesta.
Relatos internos também mencionaram episódios em que a IA “alucinou” ou produziu dados incorretos. Ainda assim, os funcionários podem usar o Elsa para sintetizar textos ou simular especialistas em áreas médicas específicas.
Makary ressaltou que os modelos de IA não estão sendo treinados com dados enviados por empresas farmacêuticas ou fabricantes de dispositivos médicos.
No campo da segurança alimentar, Makary e Prasad destacaram um novo foco na “dieta cada vez mais manipulada quimicamente” dos americanos — uma preocupação compartilhada por políticos de diferentes partidos. “Para todos os aditivos, o equilíbrio entre benefícios e malefícios deve ser reavaliado”, afirmaram.
Apesar de a proposta do governo Trump de reduzir significativamente o orçamento do FDA para o próximo ano, espera-se que o setor de alimentos da agência receba recursos extras. Alguns observadores chamaram atenção para o desafio que o FDA enfrenta ao tentar equilibrar as críticas de Kennedy — que acusa a agência de proximidade excessiva com a indústria farmacêutica — com a visão pró-mercado da atual administração.
Makary e Prasad afirmaram que o FDA deve ser um “parceiro da indústria”, mas sem repetir “um relacionamento próximo que caracterizou a agência no passado”. Já Reshma Ramachandran, diretora da Colaboração de Yale para Rigor Regulatório, Integridade e Transparência, questionou a iniciativa dos dois líderes da FDA de realizarem encontros fechados com CEOs de grandes empresas farmacêuticas em seis cidades.
“Como isso protege a agência ‘contra um relacionamento próximo’ com a indústria? As prioridades da FDA parecem ter saído diretamente do manual da PhRMA”, questiona, referindo-se à associação da indústria farmacêutica.
(Com informações de O Globo)
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