De 2017 a 2023, o 1% mais rico do Brasil enriqueceu a um ritmo muito superior ao crescimento médio da economia e da renda das famílias, impulsionado pela pejotização. A constatação é de um estudo baseado nas declarações do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), conduzido pelos economistas Frederico Nascimento Dutra, Priscila Kaiser Monteiro e Sérgio Wulff Gobetti, que registraram um nível significativo de concentração de renda no período.
De acordo com a pesquisa, o rendimento do 1% mais rico cresceu em média 4,4% ao ano, enquanto a renda média das famílias aumentou 1,4% acima da inflação. O resultado é ainda mais desigual quanto mais ao topo: a renda do 0,1% mais rico teve avanço de 6,9% no período e do 0,01%, de 7,9%.
Leia: Com milhares de profissionais de TI, Sindpd On Fire lança campanha salarial
“Quanto mais se sobe na pirâmide, maior esse crescimento. O aumento da renda dos mais ricos é até superior ao crescimento do PIB chinês”, afirma Gobetti, comparando com o avanço médio de 6,5% do PIB da China.
Um dado relevante extraído dos números da Receita é o aumento no valor dos lucros e dividendos distribuídos aos sócios de empresas, que explica a maior parte do aumento da concentração de renda apontada pelos economistas.
Para a elite do 0,1% mais rico, por exemplo, 66% do ganho de participação na renda nacional vem especificamente desse tipo de rendimento, que não sofre tributação. No mesmo período, houve queda na contribuição vinda da renda de salários, “sinal de um forte processo de pejotização”, segundo o estudo.
Efeitos da pandemia
Os dados mostram que a concentração de renda se manteve relativamente estável de 2006 a 2020, com a participação do 1% mais rico oscilando em torno de 20% da Renda Disponível Bruta. A partir da pandemia de Covid-19, houve uma mudança de patamar da ordem de até quatro pontos percentuais para cima, um salto inédito na série histórica da Receita.
Como resultado dessa expansão acelerada no topo, a fatia do 1% mais rico na renda total do país saltou de 20,4% para 24,3% entre 2017 e 2023. A participação dos 0,1% mais ricos cresceu ainda mais, de 9,1% para 12,5% no mesmo período. Esse grupo, composto por aproximadamente 160 mil pessoas, passou a deter uma parcela da riqueza superior à dos 80 milhões de brasileiros que representam os 50% mais pobres, os quais dividiram apenas 10% da renda.
Uma pergunta central do estudo é como os lucros aumentaram tanto, e de forma tão concentrada, em um período em que a economia brasileira cresceu pouco.
Uma hipótese levantada pelos economistas é a de que a inflação doméstica elevada, somada à alta dos preços internacionais de algumas commodities, possa ter alavancado os lucros obtidos por grandes empresários e exportadores. Estados voltados ao agronegócio, como os do Centro-Oeste, estão entre aqueles em que a renda do “top 1%” mais avançou.
“Talvez parte desse movimento, que depende de preços internacionais voláteis, possa ser ciclicamente revertida, mas o mesmo não se pode dizer da parcela de lucros vinculada à economia doméstica”, afirmam.
Tributação progressiva
Para os pesquisadores, o quadro de maior concentração de renda torna ainda mais urgente a necessidade de uma reforma tributária que eleve o nível de progressividade do Imposto de Renda e reduza os incentivos à pejotização. A proposta do governo de uma tributação mínima de 10% em tramitação no Congresso seria um primeiro passo nesse sentido.
Eles defendem que “a política tributária [deve] voltar a desempenhar papel mais ativo nesse quadro, começando pela revisão de todos os tratamentos especiais e privilegiados dispensados a certas classes de rendimento no Brasil – não apenas lucros e dividendos, mas também rendas isentas da atividade rural e diversos tipos de títulos financeiros igualmente isentos ou subtributados.”
Os dados, que consideram pessoas com 18 anos ou mais, combinam informações da Receita Federal (que cobrem quase 25% da população adulta) com a pesquisa domiciliar do IBGE, que, segundo os autores, subestima a renda do capital no topo da pirâmide, melhor captada pelo IRPF.
O estudo “Concentração de renda no Brasil: o que os dados do IRPF revelam?” está disponível no site do grupo de pesquisadores do FiscalData, que desenvolveu também um simulador de renda.
A ferramenta ilustra a disparidade: uma pessoa com renda mensal de R$ 30 mil está entre os 1% mais ricos do país, valor equivalente a cerca de oito vezes a média nacional (R$ 3.632 mensais em 2023). No entanto, esse valor ainda está longe do topo absoluto. De acordo com o simulador, “os super-ricos” (0,1% da população) ganham R$ 516 mil por mês em média.
(Com informações de Folha de S.Paulo)
(Foto: