Um colapso do sistema de correntes oceânicas responsável por aquecer o hemisfério norte pode colocar a Europa diante de uma “pequena era do gelo” mais cedo do que se imaginava. A conclusão é de um estudo conduzido por cinco institutos internacionais de pesquisa climática e publicado na revista Environmental Research Letters.
De acordo com o trabalho, a Circulação Meridional de Revolvimento do Atlântico (Amoc, na sigla em inglês), que inclui a Corrente do Golfo, pode entrar em colapso completo após 2100 caso as emissões de gases de efeito estufa permaneçam elevadas. O sistema é fundamental para manter o clima do noroeste europeu mais ameno do que o de regiões do Canadá situadas na mesma latitude.
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Os pesquisadores alertam que um eventual colapso não provocaria apenas invernos muito mais rigorosos na Europa. A redução da umidade transportada pelas correntes também causaria secas no verão, além de deslocar faixas de precipitação tropical. O cenário projetado inclui desertificação em algumas áreas e temperaturas inferiores a 30 °C negativos em outras.
No último relatório divulgado há quatro anos, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) afirmava estar “moderadamente confiante” de que o sistema não entraria em colapso neste século. Uma análise publicada no início de 2025 pelo serviço nacional de meteorologia do Reino Unido chegou à mesma conclusão. A nova pesquisa, porém, liderada pelo Serviço Meteorológico Real dos Países Baixos, aponta que a circulação do Atlântico Norte deve desacelerar de forma drástica até o fim do século e atingir um ponto crítico já nas próximas décadas.
“Nas simulações [feitas pela pesquisa], o ponto de inflexão nos mares-chave do Atlântico Norte geralmente ocorre nas próximas décadas, o que é muito preocupante”, afirma Stefan Rahmstorf, chefe do departamento de Análise do Sistema Terrestre do Instituto de Potsdam para Pesquisa sobre Impacto Climático (PIK) e coautor do estudo.
Segundo o PIK, após esse ponto de inflexão o desligamento da Amoc se torna inevitável devido a um mecanismo de retroalimentação. “O calor liberado pelo extremo Atlântico Norte então cai para menos de 20% do valor atual e, em alguns modelos, quase a zero”, diz o instituto.
Para Sybren Drijfhout, autor principal do estudo, em todos os cenários de altas emissões analisados o esgotamento completo do sistema após 2100 é inevitável, já que pode ocorrer cerca de 50 anos depois do ponto crítico. “Isso mostra que o risco de colapso é mais sério do que muitas pessoas imaginam”, afirma.
Como funciona a Amoc
A Amoc é um dos sistemas de correntes oceânicas mais importantes do planeta. Funciona como uma espécie de “esteira transportadora” de calor: leva água quente dos trópicos para o Atlântico Norte pela superfície e devolve água fria em grandes profundidades, ajudando a regular o clima global.
Com o aumento das temperaturas globais provocado pelas emissões de gases de efeito estufa, o oceano passa a liberar menos calor no inverno, já que a atmosfera não está suficientemente fria. “Isso começa a enfraquecer a mistura das águas oceânicas: a superfície do mar permanece mais quente e leve, tornando-se menos propensa a afundar e se misturar com águas mais profundas”, diz o estudo. O resultado é o enfraquecimento da Amoc e a redução do fluxo de água quente e salgada em direção ao norte.
Sem essa troca de calor com a atmosfera, os cientistas projetam uma queda generalizada de temperaturas no hemisfério norte e processos de desertificação na Europa. O principal impacto recairia sobre a Corrente do Golfo, conhecida como o “aquecedor da Europa”. Mesmo antes de um colapso total, pequenas reduções na temperatura distribuída pela corrente já teriam efeitos dramáticos, segundo pesquisas anteriores, incluindo um estudo publicado na revista Nature em 2023.
Simulações até o ano 2500
Os resultados se baseiam em simulações realizadas com 38 modelos climáticos diferentes, incluindo o modelo de comparação utilizado pelo IPCC, com projeções que se estendem até os anos de 2300 a 2500. Em todos os cenários de altas emissões, os modelos apontam para uma circulação mais fraca e rasa das correntes, com o desligamento da mistura profunda das águas.
“Em todos os casos, essa mudança segue um colapso da convecção profunda nos mares do Atlântico Norte”, diz o estudo. O mesmo padrão aparece em cenários de emissões intermediárias e até baixas, nestes, o risco de desligamento da “bomba de calor” do Atlântico é estimado em 25%.
Segundo os pesquisadores, a convecção profunda em muitos modelos já entra em colapso na próxima década, caracterizando o ponto de inflexão que empurra a Amoc para um declínio terminal, do qual levaria séculos para se recuperar, se isso for possível. As regiões mais críticas seriam os mares de Labrador, Irminger e Nórdico, afetando diretamente países como Canadá, Dinamarca (Groenlândia), Islândia, Noruega e Rússia.
O derretimento do gelo provocado pelo aquecimento da atmosfera pode agravar ainda mais a situação até o fim do século. A entrada de grandes volumes de água doce torna as águas do Atlântico Norte menos salgadas e, portanto, menos densas, enfraquecendo ainda mais a Amoc. Essa variável não foi incluída nos modelos analisados, o que leva os cientistas a acreditarem que o risco real de colapso seja ainda maior.
“Um enfraquecimento drástico e o desligamento desse sistema de correntes oceânicas teriam consequências severas em escala mundial”, afirma Rahmstorf. Ele ressalta que, embora os modelos indiquem a extinção completa das correntes entre 50 e 100 anos após o ponto de inflexão, o risco pode estar subestimado, já que não considera a água doce extra proveniente da perda de gelo na Groenlândia. “É por isso que é crucial reduzir as emissões rapidamente”, diz.
Pequena era do gelo
Um relatório divulgado em outubro pela Universidade de Exeter, assinado por mais de 160 cientistas de 23 países, reforça o alerta ao afirmar que o colapso da Amoc mergulharia o noroeste da Europa em uma “pequena era do gelo”. O documento descreve cenários em que o gelo marinho de inverno cobriria o Mar do Norte, as temperaturas cairiam para menos de 30 °C na Escócia e Londres enfrentaria até três meses de congelamento por ano, contrastando com ondas de calor extremo no verão.
A Amoc já entrou em colapso no passado, antes da última Era do Gelo, há cerca de 12 mil anos. “É uma ameaça direta à nossa resiliência e segurança nacional”, disse o ministro do Clima da Islândia, Johann Pall Johannsson, à agência Reuters. Segundo ele, é a primeira vez que um fenômeno climático específico é formalmente levado ao Conselho de Segurança Nacional como uma potencial ameaça existencial.
As consequências não se restringiriam à Europa. Países da África e da América do Sul também seriam afetados, já que a desestabilização da circulação do Atlântico Norte alteraria padrões de chuva em todo o mundo.
(Com informações de g1)
(Foto: Reprodução/Freepik)
