Ele lança olhares inquisitivos, gosta de encostar as mãos no seu corpo, dá abraços inoportunos, oferece presentes, quer sempre estar a sós com você e a convida para sair. O sentimento não é recíproco, mas ele insiste e a deixa constrangida. Mais: o sujeito é seu superior e coloca em xeque a sua estadia no emprego caso não responda aos anseios dele. Mas não é preciso ficar acuada. Esse homem cometeu um assédio sexual e, desde 2001, também um crime, segundo o Código Penal brasileiro.
Em ambiente corporativo, pessoas que passam por situações como as descritas acima estão protegidas pela lei número 10.224, cujo artigo 216-A criminaliza o assédio sexual nas relações de trabalho e de ascendência (como o relacionamento entre pais e filhos ou as relações no ambiente docente ou eclesiástico). A ministra Maria Aparecida Peduzzi, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), explica que essa prática corresponde ao ato de constranger alguém com o objetivo de obter algum tipo de benefício sexual numa atitude que coloca em risco a permanência no emprego, cargo ou função de quem é assediado.
“Por lei, o infrator está sujeito a pena de detenção de um a dois anos”, sinaliza a ministra. Isso sem contar que o assediador pode ser demitido em regime de justa causa, por incontinência de conduta. Pode parecer pouco, mas antes era pior. Atos do tipo recebiam punição, mas eram considerados crime de constrangimento ilegal dentro de uma lei pouco específica que fazia muita gente desistir de processar o assediador.
O advogado Aparecido Inácio, de São Paulo, ressalta que a repetição da conduta abusiva não é necessária no caso de um ato único e bastante grave. No entanto, situações de insistência costumam figurar a maioria das denúncias. De acordo com ele, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) definiu o assédio sexual como atos de insinuações, contatos físicos forçados e convites impertinentes como condições claras na hora de dar ou manter o emprego, influir nas promoções de carreira do assediado ou ainda prejudicar o rendimento da vítima, com humilhações, insultos e intimidações – e, como conseqüência final, violência psíquica (a vítima pode vir a sofrer de ansiedade, insegurança, irritabilidade, pânico, depressão ou angústia). “As formas de manifestação do assédio podem ocorrer por intimidação, ou seja, não é preciso hierarquia, porque a pessoa pode se sentir tão mal que pede demissão, ou ainda por chantagem, e nesse caso a hierarquia é imprescindível”, aponta.
Inácio enfatiza que piadas atrevidas, comentários sobre o corpo e a idade, elogios, galanteios, carícias, pedidos de favores ou convites insistentes para almoços ou jantares são alguns dos itens que ficam do lado criminoso da linha tênue que separa o assédio sexual do flerte, da cantada ou da paquera, desde que perpetuados numa relação em que o outro não se sinta confortável e manifeste tal sensação. “Caso haja uma resposta positiva por parte de quem recebe tais propostas, mesmo que interesses sexuais estejam em jogo, uma vez que não esteja implícito algum tipo de favorecimento ou ameaça de prejuízo, o comportamento não é considerado assédio”, esclarece.
É importante lembrar que o contato físico não precisa necessariamente ocorrer para que haja o assédio sexual. Expressões verbais ou escritas claras, comentários sutis, gestos ou imagens transmitidas pela internet, por exemplo, podem ser razões suficientes o bastante para que haja o crime. Além disso, o assediador e a assediada não precisam estar no local de trabalho para que as ações do superior sejam consideradas crime.
Fora das quatro paredes
Dados da OIT apontam que cerca de 50% das mulheres brasileiras já sofreram assédio sexual. Elas, aliás, representam 90% das vítimas desse tipo de caso no mundo, enquanto os outros 10% ficam com homens que sofrem assédios de mulheres (9%) e assédio entre pessoas do mesmo sexo (1%). “Até por questões históricas e culturais, a regra é que o homem seja o assediador, mas não há qualquer impedimento de que a mulher ocupe tal posição”, diz o advogado. Por essas razões, aliás, muitas mulheres ainda deixam de recorrer aos seus direitos porque se acham culpadas. A cultura machista faz com que não só quem está de fora, mas até mesmo as próprias vítimas, por vezes, duvidem das ações do criminoso. Algumas delas se perguntam se não tiveram cuidado com a postura, se não foram trabalhar com roupas insinuantes ou se não atenderam indevidamente às gentilezas do assediador.
Além disso, muitas mulheres se sentem de “mãos atadas” nesse tipo de situação por medo de represália do assediador, de perder o emprego ou ainda de ser ridicularizada entre os colegas, para não falar na desinformação sobre os próprios direitos e, especialmente, na falta de provas, já que esses casos costumam acontecer às escondidas. Em outros casos, a empresa não dá abertura para que os funcionários possam dar qualquer tipo de opinião ou ainda há o receio de não conseguir uma boa carta de referência para um próximo emprego.
Algumas pessoas, por esperteza dos chefes, acabam virando as culpadas da história. “É essencial que haja uma prova para incriminar o assediador. E ela precisa ser testemunhal”, alerta a ministra do TST. Para isso, vale fazer uma escuta telefônica, combinar um flagrante com um amigo que sirva de testemunha ou ainda arquivar os e-mails que indiquem que o superior fez alguma proposta indevida, por exemplo. Maria Aparecida sugere que as Delegacias da Mulher são a melhores opções para quem quer buscar ajuda num caso de assédio sexual. Vá à luta!
Denuncie:
1ª. Delegacia de Defesa da Mulher
Rua Dr. Bittencourt Rodrigues, 200, Parque Dom Pedro – São Paulo, SP
Fone: (11) 3241-3328
Atendimento: 24 horas, todos os dias
2ª. Delegacia de Defesa da Mulher
Av. 11 de Junho, 89 – São Paulo, SP
Fone: (11) 5084-2579
Atendimento: das 8h às 17h, dias úteis
3ª. Delegacia de Defesa da Mulher
Av. Corifeu de Azevedo Marques, 4300, 2º. andar, Jaguaré – São Paulo, SP
Fone: (11) 3768-4664
Atendimento: das 9h às 19h, dias úteis
4ª. Delegacia de Defesa da Mulher
Av. Itaberaba, 731, 1º. andar, Freguesia do Ó – São Paulo, SP
Fone: (11) 3976-2908
Atendimento: das 8h às 18h, dias úteis
De: Por Pamela Cristina Leme
Fonte: Guia da Semana – Mulher
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