Antonio Neto* e José Eduardo Furlanetto**
As leis de um modo geral, sobretudo a legislação trabalhista, guardam surpresas que costumam nos pregar peças, muitas vezes furtivas até mesmo ao exercício acadêmico.
Intimados pela lógica e pela realidade vivida em nosso setor, buscamos aprofundar o motivo pelo qual o trabalhador é obrigado a pagar multa de um salário caso desista de cumprir o aviso prévio.
Por incrível que pareça, descobrimos que estamos sendo ludibriados por mais de sessenta e sete anos, que uma disposição originária da CLT vem sendo aplicada de forma incorreta, com prejuízo para o trabalhador.
Admite-se a surpresa geral e até ceticismo coletivo quanto a esta tardia descoberta, mas, embora tarde, norteará por certo um novo conceito quanto à tutela do trabalhador, a correção de um erro, igual à iniciativa positiva que tivemos quanto à ilegalidade da cobrança de imposto de renda sobre férias pagas em rescisão de contrato de trabalho. O mesmo se pode dizer da nossa iniciativa em mostrar a ilegalidade de o Município publicar na página eletrônica da Prefeitura, o valor dos salários dos empregados da PRODAM. Para a coletividade que está do lado oposto ao que defendemos, quando intentamos procedimentos para banir a tributação das férias e para suspender a divulgação de salários de trabalhadores, éramos visionários. Não. As decisões judiciais mostraram que temos é visão.
De forma surpreendente, desde a edição da CLT, compilação de leis esparsas que regiam as relações de trabalho anteriores a 1943, os patrões veem-se no direito de cobrar do trabalhador o valor equivalente a um salário, quando ele pede demissão e não cumpre o aviso prévio.
Confessamos, até porque o nascimento da CLT e a adoção desta prática antecederam ao nosso natalício, que o SINDPD se resignava, ao homologar rescisões de contratos de trabalho de empregados demissionários, em que figurava o desconto de um salário do montante das verbas rescisórias, pelo descumprimento do aviso.
Esta resignação incomodava. Optávamos, como uma primeira censura, à exigência de que os avos de férias e de 13º salário, referentes ao período do aviso, fossem pagos, no caso de o empregador se “indenizar”, no TRCT. Não era o bastante. Amadurecendo o que já passava à indignação, demo-nos a reflexões e estudos morfológicos da disposição consolidada especialmente pela natureza tutelar, do mais fraco, deste estatuto obreiro.
E, eureka, guiados pela luz que Deus acende àqueles que são dotados de bondade, chegamos ao lógico entendimento de que a expressão da letra da lei não admite a exegese que seus ora beneficiários convenientemente vem adotando.
Que o aviso prévio integra o tempo de serviço para todos os efeitos legais não há dúvida, pela disposição dos parágrafos 1º e 6º do artigo 487 da CLT. Diante desta premissa, a proposição de que, quando não cumprido pelo empregado demissionário (parágrafo 2º), “dá ao empregador o direito de descontar os salários correspondentes ao prazo respectivo”, não autoriza sob nenhum aspecto, que, além, logicamente, de não pagar pelo serviço não prestado no período, ainda desconte-se do montante das verbas rescisórias, o valor de um salário.
O parágrafo 2º do artigo 487 da CLT contém expressão, e não interpretação, quando determina que a falta de cumprimento do aviso prévio por parte do empregado demissionário, dá ao empregador o direito de descontar os salários correspondentes ao período respectivo. Como se vê, o legislador foi até redundante para que não pairasse dúvida – dúvida que o capital maliciosamente plantou e do plantio vem colhendo frutos.
Tanto esta é a verdade da lei que, quando o trabalhador chega a trabalhar três dias do período de seu aviso, por exemplo, afastando-se depois, o empregador paga os dias trabalhados e não desconta, do montante das verbas rescisórias, o valor equivalente aos vinte e sete dias remanescentes do aviso, não cumpridos.
Reforça a nossa certeza, a jurisprudência do C. TST, enunciada na Súmula 276, segundo a qual o direito ao aviso prévio é irrenunciável pelo empregado e que o pedido de dispensa de cumprimento não exime o empregador de pagar o valor respectivo, salvo comprovação de haver o prestador dos serviços obtido novo emprego.
O SINDPD não inova; não se pretende legiferante. Cumpre o seu dever, na prerrogativa de defender a categoria, na busca de dar, à lei, o entendimento contido em sua própria expressão.
Na rescisão de contrato de trabalho de empregado demissionário, descontar o valor de um salário do montante das verbas rescisórias, além de deixar de pagar o salário correspondente ao período respectivo, é, por parte do empregador, ato de enriquecimento ilícito!
* Presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) e do SINDPD-SP, e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI).
**Coordenador do Departamento Jurídico do SINDPD-SP
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