João Villaverde, Valor Econômico
A ideia de unir o movimento sindical em uma grande assembleia, realizada no centro nervoso da economia nacional – o Estado de São Paulo -, repete-se, no dia 1º de junho. Quase trinta anos depois do primeiro encontro entre diferentes correntes sindicais, organizado na Praia Grande (SP) em 1981, cinco das seis centrais reconhecidas pelo governo realizam a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat) para mais de 30 mil trabalhadores, no Estádio do Pacaembu (SP). O encontro de 1981 unia sindicalistas pela recomposição salarial e pela democratização do país, que vivia sob regime militar. Se o ato dos anos 80 se sustentava pela crítica ao Estado, que arrochava salários e reprimia liberdades, a assembleia que ocorre na semana que vem está equilibrada justamente no contrário. O Estado, agora, é companheiro.
A assembleia tem como objetivo a acareação, por parte dos trabalhadores, do documento “Agenda da classe trabalhadora”, formulado pelas cinco centrais – CUT, Força Sindical, NCST, CTB e CGTB – e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). As centrais requerem a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, o fim do fator previdenciário e a abertura de órgãos federais, como o Conselho de Política Monetária (Copom), à representantes dos trabalhadores. (leia os principais pontos na arte ao lado).
O documento será entregue aos principais candidatos à Presidência: José Serra (PSDB), Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV), que, no entanto, não foram convidados ao evento. “Será um ato sindical. Há uma luta política, é claro, porque nos posicionamos frente a diferentes temas e vamos cobrar dos candidatos, mas o ato é essencialmente sindical”, diz João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi convidado, mas até o fechamento desta edição não tinha confirmado presença.
As cinco centrais que organizam a Conclat recebem, desde o início de 2008, uma parcela do que é arrecadado com a contribuição sindical, cobrada de todos os trabalhadores formais do país. De lá para cá, R$ 146,5 milhões foram transferidos aos cofres das seis centrais que atingiram o critério de representatividade elaborado pelo Ministério do Trabalho.
Destas, apenas a União Geral dos Trabalhadores (UGT), que ao todo já embolsou R$ 24 milhões com o imposto sindical, não participa da Conclat no Pacaembu. O presidente da entidade, Ricardo Patah, justifica a posição da UGT por avaliar que o evento se aproximará de um ato “pró-Dilma”, em referência à Dilma Rousseff, pré-candidata do PT à Presidência da República. Segundo apurou o Valor, a postura da UGT foi recebida como “erro profundo” por dirigentes de outras centrais. A UGT tem entre seus líderes filiados a PPS e DEM, que apoiam a pré-candidatura de José Serra (PSDB).
A Força Sindical, cujo presidente, o deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT), o Paulinho, já declarou voto em Dilma, ainda não fechou posição. “As bases estão com Dilma, porque aprovam Lula”, diz Juruna, “mas a entidade não vai declarar voto”. A Força tem dois vice-presidentes do PSDB: Melquíades Araújo e Antônio Ramalho. As outras quatro centrais já manifestaram apoio à pré-candidata do PT. “Não vamos ficar em cima do muro na disputa. Entendemos que será um retrocesso o retorno do PSDB e do DEM ao Estado. Já que fazemos um balanço positivo do governo Lula, porque não apoiar sua candidata?”, afirma Artur Henrique, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Como maior central – 38,2% de representatividade entre os trabalhadores formais – a CUT é também dona da maior fatia do bolo repartido pelo governo às centrais. Desde 2008, a entidade já abocanhou R$ 50,3 milhões oriundos do imposto sindical, que, no entanto, renega. “São os trabalhadores quem devem definir o quanto pagam, não o governo”, diz Henrique. Com maior orçamento, foi a CUT quem mais contribuiu para a realização do evento: R$ 284,4 mil.
As regras de aluguel para eventos desportivos do Pacaembu preveem cobrança de 12% e 15% da renda para jogos realizados, respectivamente, na parte da tarde e da noite. O Corinthians, que joga no estádio desde os anos 1940, pagaria, por essa regra, cerca de R$ 90 mil aos cofres municipais, tendo preço médio do ingresso a R$ 20 e público próximo a 30 mil torcedores. No entanto, decreto assinado pelo prefeito Gilberto Kassab (DEM) permite ao Corinthians pagar R$ 50 mil para jogos à tarde e R$ 62 mil à noite. Às centrais, por outro lado, vão pagar R$ 130 mil para ocupar o Pacaembu por um dia.
“A crítica ao imposto sindical repassado às centrais é maliciosa porque ignora custos para realizar eventos desse tipo”, diz João Guilherme Vargas Netto, consultor sindical e técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). “Se as centrais estivessem anestesiadas com o dinheiro que recebem, a crítica seria procedente. Mas estão promovendo um evento único no mundo”, diz Netto. Segundo ele, o movimento sindical encontra-se falido – nos Estados Unidos, Canadá e México – ou preocupado com crises – como ocorre na Europa. “No Brasil, pelo contrário, as centrais estão unindo o movimento para um evento que define a plataforma política dos trabalhadores”.
Para o presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil, Antônio Neto, a unidade se faz necessária para “fortalecer as pautas”. “Se os empresários fazem o evento deles, nós podemos fazer o nosso também”, diz Neto, em referência ao documento entregue pela Confederação Nacional da Indústria aos pré-candidatos esta semana.
Em 1981, movimento se unia para depois rachar
Em abril de 1977, ao mesmo tempo em que o então presidente Ernesto Geisel fechava o Congresso para passar reformas constitucionais, o operário Hugo Perez era eleito vice-presidente da Federação dos Trabalhadores da Indústria Urbana. Sete meses mais tarde, estariam frente a frente. Após concluir curso no Ministério do Trabalho, Perez, orador da turma, tomou a palavra, se dirigindo a Geisel. Tratava-se de um procedimento normal, este do orador da turma de trabalhadores treinados transmitir ao presidente os cumprimentos pela oportunidade. Perez, por outro lado, aproveitou a atenção do presidente militar para alertar sobre os movimentos de operários que começavam a ganhar corpo em São Paulo. Disse que os trabalhadores, principalmente os das fábricas, se organizavam e clamavam negociação direta com as companhias. “Os empresários promovem seu congresso anual. Queremos ter a mesma chance, de promover um congresso da classe trabalhadora”. Ali, em 07 de novembro de 1977, em frente ao presidente Geisel, nascia a ideia de unir os trabalhadores numa grande assembleia.
As manchetes dos jornais, no dia seguinte, serviram de embrião para as greves que se seguiriam. A ideia de uma grande assembleia só ganhou corpo, no entanto, quatro anos mais tarde. No meio tempo, os sindicalistas de São Paulo, com Perez e Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão, à frente, promoviam greves e debates sobre o fim da ditadura. Ao mesmo tempo, em São Bernardo do Campo, Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do sindicato dos metalúrgicos do ABC, liderou quatro grandes greves. “Mas foi só no final de 1981, em caráter de urgência, que os trabalhadores de São Paulo e do país todo finalmente se uniram”, diz Perez, em entrevista ao Valor.
Realizada entre os dias 21 e 23 de agosto daquele ano, na Praia Grande (SP), a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat) foi recebida como o grande “divisor de águas” do movimento sindical brasileiro. Até hoje, dirigentes sindicais de diferentes correntes avaliam que os rumos do movimento, desde então, foram definidos pelos erros e acertos da Conclat. “Foi tirado, em plenária, que faríamos um congresso dos trabalhadores no ano seguinte. Aquilo foi um erro”, diz Perez. Em 1982 foram realizadas as primeiras eleições – para o governo do Estado – desde o plebiscito de 1963. “A pauta sindical ficou nublada com as eleições”, avalia.
Para Perez, que esteve à frente da primeira Conclat dividindo bancada com Lula e Joaquinzão, a Conferência que será realizada na semana que vem no Estádio do Pacaembu é semelhante à realizada em 1981 no sentido programático. “Nossa agenda”, diz, “era a agenda da sociedade. Queríamos liberdade de expressão e recomposição salarial. Hoje a pauta das centrais vai fundo em temas comuns, como redução de jornada e fortalecimento do salário mínimo”. Mas há diferenças. “Nós convidamos todo mundo. Tinha de marxista comunista a trotkista, petista, gente que apoiava o MDB, de tudo”.
Em 1981, os sindicalistas se uniam, principalmente, em torno da luta pela distensão política – a ditadura já sangrava, diante da crise econômica que fez o PIB despencar 4,2% naquele ano, mas só deixaria o poder em 1985. Se antes o movimento era anti-Estado, agora há uma relação mais próxima com o Estado. “Não só o presidente é um ex-líder sindical, como ele tem atendido reivindicações do movimento e fortalecido as centrais”, diz Perez. O sindicalista, atualmente consultor da Força Sindical, avalia que se a Conclat da próxima semana for “bem sucedida”, as centrais ganharão legitimidade para clamar por mais poder.
Após a Conclat de 1981, os sindicalistas ligados ao PT, criado um ano antes, levaram à frente a ideia de criar uma central única – em 1983, com a fundação da CUT. Descontentes, como Joaquinzão, formaram uma central dissidente – a CGT, em 1986. Perez, anos mais tarde, se ligaria a uma dissidência da CGT, a Força Sindical, criada em 1991. A explosão de centrais, nos anos 90, caminha para o fim, avaliam líderes sindicais ao Valor. Das seis entidades reconhecidas pelo Ministério do Trabalho, apenas uma – a União Geral dos Trabalhadores (UGT) – não participa da Conclat na semana que vem. (JV)
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